25.12.12

José Matias, na rua de São Bento

De relance, na rua de São Bento, às 0h30 do dia de Natal, sobre o passeio da direita, cambaleia uma figura esguia. Parece que vai cair, mas, a custo, contorce-se e vai ficando para trás, sem que eu possa distinguir se é homem ou mulher, se o desequilíbrio é apenas uma questão de bebedeira redentora... 

Não é esse o caso de José Matias que, durante três anos, noite fechada, se esconde num portal donde pode avistar a sua divina Elisa no 214 da rua de São Bento, e colar-se diurnamente ao amante, o apontador de Obras Públicas, para se assegurar fidelidade deste à sua esposa celestial.
O José Matias ama espiritualmente e, mesmo sabendo-se correspondido pela bela Elisa, foge dela, do corpo dela, como o Diabo da Cruz. E esse é o mistério que Eça de Queiroz oferece ao leitor guloso de paixões carnais e fatais.
Curiosamente, o narrador entrelaça a história de José Matias e de Elisa com referências a estudos maçadores de filosofia e de psicologia, sem qualquer alusão à religião.  
Ou porque José Matias sofreria de impotência - não há uma palavra que o explicite - ou porque Eça tivesse decidido testar a primazia da amizade sobre o amor  - Platão - ou, finalmente, porque este José Matias não é mais do que um clone do carpinteiro que toda a vida serviu desinteressadamente Maria, a verdade é que esta história não parece encaixar no espírito de Natal...

Lido o conto José Matias, estou agora convencido que a figura esguia que subia a rua de São Bento era nem mais nem menos que a divina Elisa que continua à procura do seu amante espiritual, há muito enterrado no Cemitério dos Prazeres...

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