4.10.12

Dia XII

I - Na verdade, a biografia é incipiente... passa da frequência do curso de Direito em Coimbra à crise académica não se sabe de que época, para repentinamente ser preso pela polícia política em Angola. De regresso (forçado?) à Europa, sem passar por Paris, aterra em Argel (essa terra de todos celebrada!), onde luta pela liberdade da Pátria... para no pós-25 de abril ocupar o tempo como deputado...
Esta pressa de retratar «o político e o escritor» talvez esconda uma  produtiva atividade de reconstituição das lacunas que, de qualquer modo, na minha metodologia poderá ser solucionada pela aposta na leitura de múltiplos textos do autor e dos autores da sua geração, ou daqueles com quem adivinhamos relações preferenciais - de Manuel Alegre (de quem falamos) a Aquilino Ribeiro, passando por Miguel Torga e Pepetela, já sem falar de Afonso Duarte, Henrique Galvão, Zeca Afonso, José Gomes Ferreira, Assis Pacheco, Altino Tojal, Mário Carvalho, Dinis Machado, Alexandre O'Neill, Sophia e Mário Zambujal... 
A lista é extensa para contrariar todos aqueles que, no âmbito do contrato de leitura, insistem na leitura de traduções de escritores anglo-saxónicos, geralmente mal traduzidos e, sobretudo, que pouco contribuem para o reforço da identidade portuguesa... (todos os dias me é perguntado se eu aceito a leitura de autores estrangeiros... e acabo por responder, contrariado, que sim... Claro que Aquilino, Torga ou Alegre podiam escrever sobre os «bichos» porque os conheciam, porque palmilhavam o território...
(No entanto, o interlocutor urbano também tem as suas razões!)
 
O resto, sempre fragmentado, pôs em destaque a capa e a contracapa de Cão Como Nós e, sobretudo, a badana - esse lugar oculto amado por alguns editores - mas que, no caso, passara totalmente despercebida. O cão que vira leão, sob o nome de Kurika, leitura dos filhos do autor.
E chegado aqui, voltamos a Henrique Galvão, ao paquete Santa Maria no Sul, tomado de assalto, em protesto contra o sacrifício de gerações numa guerra longínqua... e a incipiente biografia começava a ganhar corpo quando a campainha interrompeu o esforço do domesticado leão, forçado a fazer pela vida...
E já no intervalo, dois ou três alunos voltaram à carga, pois o que lhes apetecia era ler autores americanos, australianos... e eu fiquei a pensar que estaria na hora de partir.

II - Depois, só, li a primeira parte do Sermão da Sexagésima, do Padre António Vieira. A parábola do Semeador. E percebi que ela não se me aplicava, pois não conseguia ver-me sob a capa nem do Pregador Evangélico nem do Pregador do Paço. Fora definitivamente esquecido por aqueles que supostamente precisavam do minha palavra.   
 
    

2 comentários:

  1. E o pior é que de ano para ano a idade nos vai diminuindo a paciência e as palavras se vão tornando cada vez mais obscuras e mais opacas...

    ResponderEliminar
  2. apesar de procurarmos a simplicidade, mas logo surge a pergunta: - Será a "opacidade" sinónima de "vacuidade"? Se distingo, complico...se igualo, frustro...

    ResponderEliminar