30.9.12

Interlúdio III

Escrever é uma forma de nos expormos .
Nestes últimos dias, li 28 textos narrativos, subordinados ao tema «...pois é fraqueza / Desistir de cousa começada.» (Camões, Os Lusíadas, Canto I, estância 40)
(A instrução visa que cada aluno aprenda a construir um conto.)
Pelo resultado, uma parte seguiu a instrução; outra parte, descurou-a. Nesta última situação, falta a planificação do texto, abunda o registo informal, e, por vezes, uma tendência para uma linguagem desenraizada e maneirista.
Claro que, salvo raras exceções, a maioria pensa que o conto é uma narrativa onde tudo cabe. Em vez da forma simples, em que  surge um acontecimento capaz de criar uma nova ordem, após a resolução de um ou dois obstáculos, esta maioria prefere criar  um interminável folhetim, impossível de memorizar...
(Felizmente, ainda estamos a tempo de aprender a escrever de forma simples, clara e concisa!)

29.9.12

Benefícios fiscais e subsídios

Num país de desempregados, de reformas de miséria, de congelamento e diminuição de salários, a manutenção de benefícios fiscais e de subsídios é vergonhosa.
Ao Estado não compete premiar empresas, fundações ou institutos que se revelem incapazes de viver sem benefícios e subsídios. O Estado, profilaticamente, deve impor o encerramento de todos esses organismos parasitas.
Em situação de insolvência, só começarei acreditar num governo que seja capaz de eliminar as exceções, os benefícios fiscais e os subsídios.
 
 

27.9.12

A canga e as exceções

Quando se justifica a decisão, argumentando que o momento que vivemos é de exceção, perde-se a face ao aceitar exceções à regra.
Logo pela manhã, a TSF anunciava que os cortes salariais em sede de IRS vão ser aplicados a todos, à excepção dos trabalhadores da CGD, da TAP e de outras corporações em que as progressões nas carreiras irão ser desbloqueadas, designadamente certas categorias de docentes do ensino superior universitário.
Por outro lado, objetivamente, ninguêm sabe qual é a dimensão das exceções, o que aumenta a frustração daqueles que se encontram sob a alçada da regra. E também já se perdeu a noção do volume dos sacrifícios que estão a ser pedidos sempre aos mesmos, assim como ninguém sabe ao certo qual´é o peso da economia paralela.
Um estado, que não só não controla estas variáveis como cria exceções que geram cada vez mais desigualdades, é um estado falhado que nos reduz à categoria de bois mansos.
É hora de acabar com as exceções!
 

Dia VIII

I - O leitor crédulo aceita facilmente como inquestionável o texto (auto)biográfico. Regra geral, não filtra a «verdade», porque confia no sujeito (eu), nas suas opções, dando expressão à ideia de que a escrita na 1ª pessoa é mais sincera do que qualquer outra. Ora se o leitor se habituar a extender a leitura ao CONTEXTO, entendido como descoberta de elos (ligações, conexões) existentes entre os vários textos do autor e /ou da mesma época, não só enriquecerá o seu conhecimento como passará a ser mais exigente, um leitor crítico.
Entre a escrita e a leitura, há um fosso difícil de ultrapassar, pois o escritor ( escrevente, escriba, secretário da puridade, escrivão, copista...) tem ao seu alcance meios ilimitados  que lhe possibilitam criar, em diferido, uma verdade construída, mas que o leitor não vê como produto de uma construção, mas, sim, como um acontecimento.
Estejamos a ler José Luís Peixoto, Raduan Nassar ou António Vieira, o texto é sempre a expressão de uma composição, de uma construção, por vezes, tão poderosa que ela pode moldar irremediavelmente a verdade das nossas vidas.
É por tudo isso que o CONTEXTO se torna muito mais importante do que as circunstâncias.
 
II - Fujamos do homem moderno... pela palavra e pelo gesto.
 
III - Quando um padre jesuíta se torna num homem de ação, num patriota que luta pela soberania do seu país, acaba por gerar uma multiplicidade de inimigos de que  dificilmente se libertará, sobretudo combatendo-os pela ação verbal.
 

26.9.12

Não chove

Não chove na praça neptuno
já choveu em sevilha zagreb santiago

Um dia irá chover na praça neptuno
resta saber de quem será o sangue

e voltará a chover na praça do império

Dia VII

(A dificuldade reside na ausência de conhecimento sistematizado da História.)

Como explicar o rumo do escritor romântico, se o destinatário ignora que entre o século XV e o século XIX  a matriz foi, em geral, estrangeira - do renascimento ao iluminismo - mesmo que cercados pelo Tribunal do Santo Ofício?
Até o protótipo do império era estrangeiro! A arte apresenta-se como reflexo de uma cultura cujas raízes se encontram fora do solo pátrio. Será assim tão difícil de entender a regra e aceder às exceções?
A ruptura romântica inscreve-se num ato refundador da História e consequentemente de todos os ramos que à sua sombra florescem: as artes, em particular...
E nesse movimento, o povo eleva-se do solo e a sua memória passa a ser sondada como o adubo que pode fortificar a seiva romântica.
Claro que com equívocos! Os românticos, apressados, confundiram quase tudo. Sobretudo, exaltaram o espírito criador coletivo, ao não distinguirem autoria de transmissão (tradição). Quiseram convencer-nos que a criação individual fora inicialmente do grupo, como se o romance transmitido oralmente não tivesse sido criado por um indivíduo. Reservaram o génio individual para eles próprios, os vates, os mensageiros de uma nova ordem gerada pelos enciclopedistas e consagrada na execução dos reis (do antigo regime).

Está na hora de voltar atrás e explicar o que significava "convocar e reunir cortes", o que talvez ajude a perceber que o "concílio dos deuses" camoniano já tinha raízes nas "Cortes de Júpiter" vicentinas. Claro que os reis (absolutistas) já só convocavam as cortes em situações extremas. O ato passara a ser encenação:

"Oh caso pera espantar
que é isto Jupiter
a que nos mandais chamar
quer-se o orbe renovar
ou tornar-se o mundo a fazer?"
(Vicente, Cortes..., 1521)

25.9.12

Praça Neptuno

A voz inocente manhosa ergue-se na praça
a chuva sobre a terra seca

cresce involuntário o cerco
da pedra nada sobrará

Dia VI

A - « A literatura dramática é, de todas, a mais ciosa da independência nacional.»
Esta literatura / género /  modo cresceu em torno do conflito / crise. Não há drama sem crise, sem conflito entre vontades. E vem, pelo menos, da Grécia fundadora da democracia provocada pele heresia das primeiras minorias.
Associar crise a «independência» só pode fazer sentido, pois esta é afirmação e, ao mesmo tempo, ruptura... em tempo de crise.
Se para Garrett, um teatro nacional era uma necessidade absoluta, hoje, por maioria de razões, existem as condições políticas, sociais e económicas para que os dramaturgos apostem em temas nacionais... Só que  ao Estado não interessa fomentar o género literário que melhor pode espelhar o modo como equacionamos e solucionamos os conflitos internos e externos. 

( Esta linha de pensamento parece não ter razão de ser. A crise não existe, a não ser na sala de aula, e a minoria é representada pelo professor.)

B - José Luís Peixoto e o «Princípio dos primeiros dias» A redundância aponta o encantamento pelo feminino no que ele tem de ligação à vida, de presença (i)material...A irmã não faz sombra à mãe, está é mais próxima...

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.


24.9.12

Dia V

A - Ponto de partida: apontar o que há de comum entre as palavras "autobiografia" e "biografia". As respostas são de natureza especulativa. Ninguém repara em "biografia" ou "bio" +´"grafia". Isto é, a tendência é ignorar a "materialidade" das palavras, aquilo de que são feitas, as palavras, os termos, os vocábulos... Ficou, assim, aberto o caminho para a significância, parte quase invisível / inaudível do signo linguístico. Claro que a maioria, apesar de tudo, conhece o significado dos constituintes: auto+bio+grafia. 
Por arrasto, surgiram as noções de "significado", "referente", "imagem acústica", "funções da língua", em particular, a "função metalinguística"... (Surpresa: ninguém ouvira falar das referidas funções! Parece que o Roman Jakobsom  foi definitivamente enterrado...) O extraordinário é que acabámos por chegar ao "património material" e ao "património imaterial"! E na matéria foi possível revelar a madeira, sem esquecer, afinal, que também podemos preservar a alma.
B - Quanto ao José Luís Peixoto, o texto autobiográfico deixa-nos marcas de materialidade: o atraso sistemático e a forma de tratamento "minha senhora", ao referir-se à professora. Mas o que se evidência é saudade da irmã que o levava à escola, da irmã entre as mães que atentamente escutavam a professora...

C- Ponto de partida: o teatro pós-vicentino - o teatro estrangeirado (castelhano, italiano, francês) - até que Almeida Garrett decidiu educar a nova classe - a burguesia.  Educar = Civilizar. Despertar para valores nacionais. Nos séculos XVII e XVIII, na perspectiva de Garrett, só Correia Garção e António José da Silva tinham condições para salvar o teatro nacional, mas o despotismo do marquês e o povo ignaro liquidaram-nos.

(A vontade de aprender pode brotar de um desejo ou de uma necessidade, o pior é quando não há nem desejo nem necessidade.

23.9.12

Interlúdio II

No âmbito do PIL, a leitura de Cortes de Júpiter, de Gil Vicente, justifica-se como estratégia para compreender o que significa «teatro dentro do teatro» e também para observar o processo criativo de Almeida Garrett, o romântico que não prescinde das fontes literárias: Bernardim, Vicente ou Camões.
Além disso, aquela comédia «que Vicente faz representar em Agosto de 1521, pertence a uma série de objetos de modelo circunstancial e alegórico em que o teatro celebra, articula, (de)termina uma festa da corte. Desta vez, de despedidas que podem ser para nunca mais. O teatro não se faz a contar uma narrativa, mas a descrever uma sequência de homenagens.» Osório Mateus, Cortes 

Ministro fora de estação


O ministro da Administração Interna (MAI), Miguel Macedo, disse hoje em Campia, Vouzela, que Portugal "não pode continuar um país de muitas cigarras e poucas formigas", ao mesmo tempo que enaltecia o "esforço do povo" para ultrapassar a crise. (Sapo)
O senhor ministro parece ignorar que no outono as cigarras têm poucas hipóteses de vingar e que, por seu turno, o povo que ele quis elogiar é constituído pelas ditas «formigas». Mas se as formigas são tão escassas onde é que está esse povo a que ele se refere?
No que me diz respeito, em matéria de insetos, hoje não escutei nenhuma cigarra e mesmo, em termos figurados, as que vi eram estrangeiras - do norte da Europa. O que não deve ser negativo para o turismo! Quanto às formigas, já não posso queixar-me, pois vi literalmente centenas delas. Todas ocupadíssimas, no seu canto, ou melhor, na sua linha, cumprindo o desejo
do senhor  Luís Portela: “não sei porque é que as pessoas saem para a rua a fazer barulho. Acho que a solução que nós temos de procurar é uma solução construtiva, de cada um, no seu cantinho, dar o seu melhor e procurar soluções.

22.9.12

Mudança


Muda a estação. Há quem o celebre e faça disso tema só porque o outono acrescenta uma sílaba ao verão.
No meu caso, o outono não acrescenta nada e o primeiro sinal de perda é me dado pela ausência das rolas. Bem sei que elas (ou as juvenis) voltarão, mas isso não interrompe o fluir do (meu) tempo.Será egoísmo da minha parte? Certamente.
De qualquer modo, esta ideia de perda pouco tem a ver com a mudança da estação, porque neste inefável país, todos estamos colocados à beira do precipício... e pouco fazemos para estancar o desperdício quotidiano.  

21.9.12

Interlúdio I

Se a solidez da sociedade resulta da capacidade de criar relações, a afirmação do indivíduo revela-se se ele for capaz de criar cultura. A ideia é de Fernando Pessoa e acabo de a encontrar no capítulo "Os Inadaptados", redigido pelo Dr. Rui Ramos (História de Portugal, VI volume, direção de José Mattoso).
Criar cultura corresponde ao que eu sempre pensei que deveria ser a função da escola. Memorizar e replicar só poderão ser andaimes nesse processo... 
Criar cultura é acrescentar! Não é imitar!
(...) Quando uma aluna me perguntou há três dias se, no âmbito do projeto individual de leitura (PIL), podia seleccionar uma obra de Almada Negreiros, ela estava, sem o saber, a escolher, um autor para quem criar cultura ( experimentar tudo de todas as maneiras) era o que distinguia os criadores dos dantas do seu tempo.
E por isso aconselho a leitura de Almada Negreiros:
  •  Os saltimbancos. 
  • Nome de Guerra
  • K4 O Quadrado Azul
  • (...)

20.9.12

O caminho

O caminho situa-se entre dois pontos mais ou menos distantes. Por vezes, a linha que percorremos tem na mira o outro, e sobre ele proferimos facilmente juízos agridoces. Habituados à ideia de que a causa do insucesso é exterior ou até anterior nós, enveredamos por becos sem saída.
O outro é a nossa muleta, sem ele ficamos sem desculpa.
Talvez, em consequência, decidi iniciar um novo caminho... agora SEM REDE. Um caminho que vou percorrer de dentro para fora...

Dia IV

De regresso ao Canto I de OS LUSÍADAS...
  1. O lema «...é fraqueza / Desistir-se da cousa começada» liberta-se do Canto I e torna-se mote para a composição de um conto cuja situação inicial e acontecimento modificador ficam ao critério do escrevente (tarefa).
  2.  Desde a função e significado do título, à noção de retrato, secundado pelos conceitos de descrição e caracterização, passando pelo contexto e pelas circunstâncias (espaço e tempo). Há um discurso possível que tudo integre, limpando a língua de modismos artificiosos.
  3. Se eliminamos o contexto, podemos libertar alguma energia criadora, mas, simultaneamente, cortamos a raiz a outras narrativas igualmente legítimas. Repare-se como na estância 40,  a Mercúrio compete ajudar os portugueses a atingir um objetivo ambíguo: 
    «Mercúrio, pois excede em ligeireza / Ao vento leve e à seta bem talhada,/ Lhe vá mostrar a terra, onde se informe / Da Índia e onde a gente se reforme.» Ora esta ideia deve ter sido levada muito a sério pelos portugueses de antanho e também mais recentes. Basta pensar nos efeitos da peçonha na sociedade lisboeta (Sá de Miranda), sem descurar a interpretação de Pessoa (Opiário), em que descoberta a Índia, os portugueses ficaram irremediavelmente desempregados e por isso se refugiavam no ópio.
  4. Semanticamente, a leitura poderá não ser autorizada, mas poeticamente Pessoa não hesitou!
  5. Tal como o narrador de Manuel Alegre que, apesar de tardiamente, acaba por regressar a Arzila para libertar o Velho do cárcere em que ficara - um cárcere de armas e de heróis retidos no primeiro verso de Os Lusíadas...
  6. Ao quarto dia, percebo que estou naturalmente a combinar a língua com a literatura gerando uma mistura explosiva. E por isso só percorremos o retrato do Velho, a isotopia da passagem do tempo, interrompida por «jeans» desbotados... E, sobretudo, percebemos que Alegre tem esperança que possamos sair da situação inicial, pois o «narrador-personagem» ainda tem algumas qualidades: observação, curiosidade, escuta, interação... E é tudo isso que constitui o acontecimento - a resposta, a contra-senha...
  7. E a contra-senha só pode ser dada por nós, os leitores... o que explica a tarefa

19.9.12

Dia III

Por um teatro nacional
De forma mais ordenada, saímos das igrejas e dos adros para a corte, e progressivamente, os milagres e mistérios tornaram-se moralidades e farsas. O povo cedeu o lugar ao cortesão, e o dramaturgo passou a servir o suserano, fosse ele D. Manuel I ou D. João III. Liberto do Livro Sagrado, o dramaturgo preocupa-se em divertir o público à custa da arraia-miúda..., embora haja quem insista que o objetivo era criticar, como se Marx espreitasse nos bastidores.
Para os românticos, Gil Vicente funda o teatro nacional e, ao mesmo tempo, vence o teatro estrangeiro, de cepa grega, condenando Sá de Miranda e António Ferreira ao insucesso, apesar do último ter apostado num tema bem nacional: os amores de Pedro e de Inês.
O tema bebido em Fernão Lopes, Garcia de Resende e outros acaba por alimentar um mito que Camões não ignora n´Os Lusíadas e que a posteridade valorizou de modo continuado. Mas o molde era estrangeiro: grego... e a corte, em parte, ignorante, preferia o riso. 
E por isso, chegada a Inquisição, foi declarada morte ao RISO... uma morte que se estende, pelo menos, por três séculos. E como Garrett bem refere, António José da Silva foi queimado, porque convidava o povo a rir da corte...
Entretanto, para além do Tribunal do Santo Ofício, D. Sebastião atirou-nos para os braços do tio de Espanha... Aos poucos, o teatro foi castelhano, italiano, francês. Representavam-se traduções, importavam-se companhias e atores... até que Napoleão nos despertou a vontade de ressuscitar a nação, abrindo o palco a Almeida Garrett, o mais nacionalista de todos os portugueses que algum dia apostaram na refundação da nação. E ele tudo fez para nos civilizar, apesar de estar consciente de que: «o teatro é um grande meio de civilização, mas não prospera onde a não há.» 

(Entretanto, o Charlie Hebdo com as suas caricaturas atravessa-se na mente e dá-me vontade de discutir o MEDO que o Riso continua suscitar em certas civilizações... e volto às igrejas, às sinagogas e às mesquitas. E a campainha muda volta a interromper-me e fico a pensar que a campainha é a expressão de uma liturgia que está muito para além de mim. )   

18.9.12

Dia II

«Em 1520, D. Manuel I criou a feitoria de Arzila.»

Mas, afinal, o que seria uma feitoria? Qual a sua importância à época? E hoje, em tempo de crise, será que ainda apostamos nas feitorias? - Silêncio total!
A necessidade de criação de feitorias, associadas a praças fortes, resultava da consciência de que o território continental era incapaz de alimentar a população. Da conquista de Ceuta (1415) ao retorno de África (1974/75) completou-se um ciclo. 
Um ciclo que pouco interessaria a D. Afonso V, pois o mediterrâneo mais não era que um arroio fácil de atravessar. No entanto, as sereias oceânicas para o abysmus convidavam... E Arzila estava tão perto! Era só colocar lá uma feitoria, pensou D. Manuel I! E assim fez, provando a sua sagacidade.
No dia dois, o discurso torna-se devaneio!

Voltando às palavras, aos dias, aos artistas e às obras, vou pensando se valerá a pena explicar que Almeida Garrett, ao querer civilizar o país, entendeu que o melhor caminho seria trazer para o palco Gil Vicente, o fundador do teatro português. E assim o fez, ao escrever e fazer representar UM AUTO DE GIL VICENTE!
E agora como é que re(construo) a ponte? Mas quem é que está interessado em pontes, com cronologia, estruturas, modelos e temas à mistura?
Se começo pela revisão, o Gil Vicente ter-se-á perdido definitivamente. Ninguém sabe que obra leu no ano anterior! O Monólogo do Vaqueiro? O Auto da Barca do Inferno? A Farsa Inês Pereira? 
Seria a história daquela jovem que só queria ser feliz, que só queria o prazer? E que, todavia, descobriu; à sua custa, que nem sempre a felicidade se consegue, fechando os ouvidos, e seguindo pelo caminho mais imediato! Uma jovem, a quem nem mistérios nem milagres bíblicos despertavam qualquer emoção, ao contrário do ermitão ou do goliardo!
Um autor medieval, cultivador da medida velha, mas capaz de pôr a vida em palco, esse Gil Vicente que tanto entusiasmou Garrett!
(E a campainha que nem toca e o professor que parece rezar uma ladainha... Finalmente, podemos sair!)  


17.9.12

Dia I

A leitura do dia: Um Velho em Arzila, de Manuel Alegre, edições expresso, 2003

  • Ponto de partida para o universo da intertextualidade. De Camões a Manuel Alegre.
  • A História de Arzila
  • Tapeçarias de Pastrana

A estrutura do conto

Leituras imediatas:
Um Auto de Gil Vicente, de Almeida Garrett
Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco

Outras leituras:
Causas da Decadência dos Pvos Peninsulares, de Antero de Quental
Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins
Só, de António Nobre
Finis Patriae, de Guerra Junqueiro

ESCREVER
... um conto
... uma carta de Mariana a Simão



16.9.12

A onda inorgânica


Nas redes sociais, os amigos são às centenas e, por vezes, aos milhares. A vida privada torna-se pública! Um simples slogan pode trazer à rua centenas de milhares de pessoas, gritando as mesmas palavras de ordem, expondo as mesmas emoções e, sobretudo, pode descentralizar os protestos e ao mesmo tempo sobrepô-los numa imagem de dimensões oceânicas.
Ondas de rejeição, por enquanto, inorgânicas e tranquilas, jorram a cada segundo desses amigos, infelizmente, virtuais. 
Bom seria que as redes sociais pudessem ajudar a encontrar emprego, a aumentar as competências de cada "amigo", porque a alternativa está à vista: a onda inorgânica acabará por ser aproveitada para gerar um  movimento de morte, cujos sobreviventes mais não farão que distribuir entre si o saque.
E esses voltarão a ser felizes por algum tempo... 

15.9.12

O alvo errado

Enquanto o povo, indignado, se manifesta nas principais cidades do país, mais de 35 grão-mestres das maçonarias regulares de vários países estão em Portugal.
O primeiro revela o seu objetivo, os segundos escondem-no. O primeiro luta contra a precariedade, os segundos vivem da precariedade do primeiro.
À TROIKA, o povo pouco importa! A TROIKA defende os interesses dos credores. E a TROIKA não se encontra no 57, Avenida da República, Lisboa

A esta hora, a nossa atenção centra-se no movimento dos indignados, mas quem nos governa são, entre outras sociedades mais ou menos secretas, os 35 grão-mestres das maçonarias regulares..., por muito que a maçonaria insista que se rege pelo valor da fraternidade.

Há séculos que escolhemos o alvo errado. Porquê?
E o caminho começa por aprender a viver sem necessitar de credores. E continua por julgar quem não nos revela a verdadeira origem e extensão da dívida. E termina pela assunção dos erros.

E por muito que nos custe os responsáveis são muito mais do que aqueles que vamos apontando a dedo.



11.9.12

Matizes e o azul


Entre o palácio e os pastéis de Belém mora o azul. Olho à direita, ao centro e à esquerda, e noto uma pequena nuance (matiz). Ao analisar a diferença, percebo que o azul mais apelativo ocupa o lugar principal. O azul da direita e da esquerda reconhece a centralidade, parecendo prestar vassalagem à presença estrangeira.
Se quiser ser rigoroso, ainda devo registar que o azul também se mostra na varanda superior, mas sem a mesma força que o do rés-de-chão.
E tudo sobre um fundo cor de rosa, em que talvez seja possível circular internamente entre a CGD  o Deustche Bank e a CGD.
No fundo, esta digressão não interessa a ninguém, apesar de todo este azul poder significar  que a vassalagem se expressa por insignificantes matizes. 
Quanto ao inquilino do palácio, não sei se ele aprecia o azul, e até posso supor que o azul mais carregado ali foi colocado para lhe lembrar a nulidade do seu poder.
Confesso, no entanto, que, hoje, escrevo sobre o azul para evitar falar dos dois temas que se me foram impondo ao longo do dia: a) os inadaptados, os degenerados, os hipersensíveis ( Nobre, Pessanha, Espanca, Mário Sá-Carneiro, Pessoa); as medidas da TROIKA liturgicamente apresentadas pelo sátrapa Gaspar.
/MCG

8.9.12

A agência da morte


No olho, surge o fruto. A flor já desapareceu e, em termos de futuro, nada parece acontecer. Fica apenas o efeito raramente apreciado por quem por perto passa.
Ontem, sob a anestesia do futebol, o primeiro ministro anunciou ao país que continua a dizer a verdade e que preza a transparência mesmo que o fruto das suas palavras traga o desespero e a morte. Há pelo menos uma agência que ele poderia criar: a agência da morte.
Essa agência deveria publicar semanalmente um boletim que nos dissesse quantos portugueses morreram na semana anterior e quais as causas desse esperado (inesperado) desaparecimento. Esta agência teria a virtude de gerar algum emprego e, de imediato, abrir concurso para substituir os falecidos. Asseguro que ela criaria mais emprego que a redução da taxa social única às empresas.
Entretanto, gostei de ouvir o senhor primeiro ministro afirmar que as medidas tomadas resultaram de um acordo, embora não tenha dito com quem. Um jovem turco da coligação terá dado a entender que o acordo fora alcançado entre os parceiros do governo, mas eu suspeito que não houve acordo nenhum. As medidas terão sido impostas pela TROIKA! Sem elas, a palmeira secava!
Para quem já viu um coelho ser enfeitiçado por uma cobra num terreno relvado ou árido, as palavras do senhor primeiro ministro não me surpreendem. O que me surpreende é que tanta gente inteligente lhe dê ouvidos e o absolva, sobretudo quando insistem em que todo mal foi feito até abril de 2011.

6.9.12

Não sei se...

Ontem, alguém que diariamente se confronta com os efeitos das novas aplicações informáticas, dos novos códigos, das novas decisões, perguntava-me se ninguém protesta, se ninguém se opõe... e prometia-me escrever um livro a denunciar como vamos sendo despojados dos direitos mais elementares.
Passadas algumas horas, dei comigo a pensar que Aquilino Ribeiro mostra na sua obra como os povos das serras e do interior iam perdendo o direito à partilha de baldios, logradouros e até dos adros das igrejas. Aqueles povos foram perdendo o espírito comunitário e, com o tempo, foram atirados para o isolamento. Hoje, as escolas, as capelas, as fontes, tudo fecha e as crianças são enviadas para longe, tal como os pais são convidados a partir para o estrangeiro...
Para os que insistem em ficar, o futuro passou a estar à distância de um clic de validação. Se o cidadão falhar fica fora do concurso sem apelo nem agravo. Se quiser reclamar, os burocratas encarregam-se de informaticamente tornar o processo tão complexo que mais vale desistir... Por outro lado, as leis mudam como cata-ventos e ainda por cima geram códigos obscuros que são aplicados discricionariamente, atrasando a decisão, de modo as que uns arguidos apodreçam nas cadeias e outrem usufruam de eterna liberdade.
Num tempo em que o pastel de nata vendido no bar de uma escola passou a ser vigiado (ai dele se ultrapassa os 80 (?) gramas!) outros fazem e desfazem sem prestar contas a ninguém, pondo em causa a saúde, a segurança e a paz de espírito de quem se habituou a cumprir e, sobretudo, a servir a comunidade...
Não sei se fale, se cale! 

4.9.12

Apesar de tudo



Apesar de tudo, ainda há sinais de futuro. Basta estar atento e apostar na vida!

Vivemos numa sociedade que multiplica os sinais de morte, que convida à desistência ou, pelo menos, à indiferença. E esse decadentismo é tão forte que aprendemos ( e ensinamos) a elogiar aqueles que antecipam «o fim», sem perceber que esta categoria da realidade não é absoluta.

2.9.12

Caminhos…

Léon Bloy par lui-même

S. Paulo: « Nous voyons toutes choses dans un miroir.»

Tudo me surpreende desde o autorretrato de Léon Bloy (1846-1917) até ao título da obra panfletária “Belluaires et Porchers”, para cuja tradução proponho “Gladiadores e Porqueiros” o que talvez possa cativar algum leitor mais faminto…

Traduzir esta obra é uma aventura condenada ao fracasso tal é a violência da palavra escolhida, da imaginação verbal do autor, capaz de conciliar o inconciliável num universo em que dominava o antissemitismo, o dinheiro, o colonialismo.. o espírito burguês hipócrita e acomodado.

À medida que leio Belluaires… pressinto que por detrás se encontra um homem zangado, e por isso volto ao início dos capítulos à espera que cada palavra ilumine o motivo, esclareça a traição.

Atravesso as páginas, recuo e avanço, penso em desistir, até que percebo que para Léon Bloy o anúncio da morte de Deus era um´anátema e que, visceralmente católico, condena todos aqueles que se arvoram como pilares da igreja… uma igreja que ignora o Paul Verlaine, autor de SAGESSE (1881)… o único POETA CRISTÃO.

O olhar fixo num espelho feito de símbolos, L. Bloy, manipula a língua como se a palavra fosse o único caminho para a conversão, de comunhão… e por isso tantos se deixaram persuadir: Alfred Jarry, Louis Ferdinand Céline, George Bernanos, Marc- Edouard Nabe…

No que me diz respeito, continuo surpreendido pelo olhar daquele que, medíocre aluno, medíocre empregado, desejou um dia ser pintor, tendo alternado entre o misticismo e a revolta, mergulhado na pobreza extrema, por vezes classificado como anarquista de direita, mas que, no essencial, recusava o fenecer das almas.

E essa não deixa de ser uma questão central!

1.9.12

O regresso da TROIKA

Depois dos banhos, o regresso à terra. A TROIKA voltou para cobrar o que nos emprestou, independentemente do empobrecimento geral ou, mesmo, da fome.

A escola perde professores e irá perder alunos. A saúde tem menos utentes e o país ficará cada vez mais doente.

Tudo envelhece fora de tempo, exceto a Serra do Barroso que, descabelada, espera que a chuva regresse…

Eu espero pelo Dilúvio!