(José Rodrigues Miguéis, O Amanhecer da Incerteza, Diário Popular, 8/11/ 1979)
De regresso ao Alto de Santa Catarina, Baltasar sente vontade de fugir, pois «a vida era este cárcere estreito e circular, uma cisterna escura onde nos debatemos, correndo em volta a tactear as paredes da nossa pobre experiência, prisioneiros teimosos e repetidos…», e relembra os amigos d’A Sementeira: «que sabia deles? quem eram, que sentiam, que pensavam na realidade como indivíduos atrás dos pórticos das Ideias e das Boas Intenções?»
A leitura abre-se para o Real: o que é A Sementeira? Já conhecia a Seara Nova? Mas, até este momento, nunca pensara que não há seara sem sementeira! Talvez tivesse pensado… Sabia que o republicano José Rodrigues Miguéis fora acusado de ser muita coisa: bolchevista, anarquista, burguês, reacionário… ao sabor dos ventos que iam soprando… mas, de repente, a minha ideia de que a ficção de Miguéis se alicerça no conhecimento do real solidifica.
Em 1979, Miguéis para melhor conhecer o rumo do 25 de Abril mergulha nas páginas da revista anarquista A Sementeira (Setembro 1908 a Agosto de 1919) – a obra-prima de Hilário Marques, nas palavras de João Freire, Análise Social, vol. XVII (67-68), 1981-3.°-4.º, 767-826.
Aqui chegado, também eu me debato nessa cisterna escura em que somos formatados, apesar de, perceber que, ainda, há alguns pontos de fuga possíveis.