18.8.10

Ler o quê e quando?

No meu caso, é grave que só agora tenha lido O Coração das Trevas (1902), de Joseph Conrad (Józef Teodor Konrad Korzeniowski (1857-1924). Sempre soube que muitos escritores conseguem a atenção dos leitores mesmo que as suas obras não evidenciem um conhecimento experimentado da realidade descrita. Muitas dessa obras tornaram-se manifestos de ideologias colonialistas e  anticolonialistas e, em torno delas, foram tomadas muitas decisões com efeitos perniciosos…

Ao ler O Coração das Trevas, entendi que, antes de muitos outros autores que se debruçaram sobre a colonização de África nos séculos XIX e XX, deveria ter lido a obra de Joseph Conrad. Se o tivesse feito teria poupado tempo e teria encontrado uma síntese do comportamento previsível do colonizador. Marlow e, sobretudo, Kurtz representam a abordagem interna de quem avança no território do outro de modo a submetê-lo pela palavra – A VOZ; A Companhia (e seus Administradores) representa a abordagem externa de quem, pela força das armas, vai tomando a pulso o território e eliminando o outro (o inimigo). Se no último caso, tudo se resolve pela eliminação, no primeiro, a VOZ tudo explica até a alienação do outro, em seu claríssimo prejuízo…

E assim se justifica que Kurtz tenha descoberto, no fundo da sua consciência, o HORROR. Quanto à Companhia, nada é preciso dizer, pois ela no lugar da consciência colocou, desde o início, o MARFIM… a pimenta, o açucar, o ouro, o petróleo, o ópio!

E se, no meu caso, foi insensato pretender ensinar alguma coisa a alguém sobre ‘literaturas africanas’ sem ter lido O Coração das Trevas, o que pensar sobre todos aqueles que tomaram decisões ao longo do séc. XX sobre o futuro de África?

Hoje, interrogo-me cada vez mais se há princípios capazes de justificar as opções de leitura.

1 comentário:

  1. Os melhores «princípios capazes de justificar as opções de leitura» resultam, por vezes, do Acaso.
    Esta colecção dos DN/JN, saída neste verão a um bom ritmo, dá-nos prendas fabulosas.
    A última descoberta recaiu em "A Ruiva", de Fialho de Almeida. (pelo meio, e fora desta colecção, impuseram-se "O Devorador de Livros", de A. Vitorino D'Almeida, "A Encomendação das Almas" e "O Jardim das Delícias" de João Aguiar, e, agora, do mesmo autor, "Inês de Portugal")
    Depois, e porque a cabeça me não permite largas leituras, regressarei aos contos (ainda por cima gratuitos) que vou acumulando, e a autores que desconheço quase por inteiro, como o Süskind, o Stevenson, o Quiroga, o Conrad ou o Hermann Broch; ou a outros que me são mais familiares como Victor Hugo, Walter Scott, Duras, Tolstoi, Dostoievsky, Borges... e, claro, Herculano ou Eça. Regressarei, portanto, a contos curtos e, dir-se-á, essenciais.
    Descobertas que, em determinada idade e com determinadas vivências, comprovam a nossa ampla ignorância.
    Parafraseando Pessoa, mutatis mutandis, "Ler incomoda como andar à chuva", sobretudo quando, ao lermos, nos reconhecemos cada vez mais ignaros.
    E custa mais ainda sabermos o pouco tempo que temos, e como o gastamos com tanta inutilidade, com tantas palavras bonitas à espera de luz... à espera de um Acaso...

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