21.2.10

Esc(re)ver…

Escrever, quando as forças da natureza reivindicam o espaço que lhes foi sonegado, ontem, na Madeira, hoje, sabe-se lá, no Continente, pode parecer um acto de alheamento. No entanto, escrever tanto pode ser sobre  leitos de rios, ribeiras e arroios que foram ocupados pela ignorância ou pela cobiça dos homens, sobre as encostas e as falésias a quem inadvertidamente matamos os socalcos ou sobre o alfaiate, que, sozinho, insiste em varrer o lodo Tejo e engolir todas as  minhocas que lhe surgem.
E também se pode escrever sobre o Poeta (D. M-F.) que anunciava ao mundo (ou seria às mulheres?): «Prazeres que prefere: os que o papel e a pele lhe proporcionam». Os prazeres tácteis, diria eu, de quem não resiste à tentação de sentir o mundo na ponta dos dedos!
Escrever é, assim, dar luz ora à pele ora ao osso, sem esquecer uma certa adiposidade que os  pode enredar. E a propósito, não posso deixar de me interrogar sobre a tradução do título de um filme de François Truffaut LA PEAU DOUCE, em português, ANGÚSTIA, estreado em Portugal a 8 de Outubro de 1965. A doce pele da jovem Nicole que incendeia e arruína Pierre Lachenay, traduzida em português, perde a força perturbadora que o corpo irradia para se transformar num sentimento decadente e irreversível – angústia. Malhas que o império tecia!

Sem comentários:

Enviar um comentário