30.5.09

O fueiro…

Há tempos que me interrogo sobre o papel da ética nas sociedades actuais. Da minha experiência, ressalta a ideia de que o egoísmo individual ou de grupo faz tábua rasa dos valores que deveriam pautar o comportamento do ser humano.

Registo, a cada dia que passa, provas de intolerância e, sobretudo, de oportunismo boçal, embora os protagonistas pareçam agir em nome de maiorias e de valores respeitáveis. Há, no entanto, nestes comportamentos um traço comum: desprezo por qualquer lei que introduza os princípios do rigor, da responsabilidade e, da consequente prestação de contas num quadro hierárquico.

A estratificação é naturalmente má! Mas, ao contrário dos anos 60 do século XX, estes novos libertários não descansam enquanto não ocupam o topo das demoníacas e desprezíveis hierarquias.

Se os meus olhos tivessem a coragem de subir a página, descobririam, de imediato, que a disposição das palavras obedece a regras cuja observância parece natural… Porém, se os meus olhos se acobardarem, sentir-me-ei mais próximo do discurso pré-verbal e capaz de compreender o fueiro paterno…

Há quem nunca tenha sentido o efeito dum fueiro nem saiba do que se trata, apesar das chispas dos seus olhos mo enterrarem pelas costas abaixo…

27.5.09

Causas endógenas…

Um Século de Literatura no Camões merece maior participação dos alunos. Hoje, às 18 horas, os alunos perderam a oportunidade de aprender a declamar com o actor José Manuel Mendes e de ouvir a Profª Doutora Margarida Braga Neves falar com propriedade e rigor do homem e da obra de Jorge de Sena, antigo aluno desta centenária instituição. Se o motivo para a ausência dos alunos é apenas a hora (4ª feira, às 18 h) a que decorrem "os encontros", então, estamos no momento certo para eliminar essa causa. Basta que, em sede de Regulamento Interno, se permita que na elaboração dos horários seja guardado um "bloco" por turno para este tipo actividades, sejam elas da responsabilidade dos departamentos, da direcção, dos encarregados de educação ou dos próprios alunos. Se houver essa abertura, daremos um passo de gigante para honrar o preceito do Projecto educativo "Por uma escola participativa…" Caso nos encolhamos na determinação e na decisão, ficaremos na história da instituição como os responsáveis do país de Abril que deixaram no "exílio" vultos da envergadura de José Rodrigues Miguéis e de Jorge de Sena…
«Eu não sou exactamente um emigrante no estrangeiro, porque, quando saí de Portugal, tinha vinte anos de escritor publicado, e desde então a maior parte da minha obra, ou grande parte dela, foi escrita para Portugal ou em Portugal publicada. Seja o que seja, continuo a ser o que era, quando me exilei muito a tempo naqueles idos negros e tristes de 1959: um escritor português que vive no estrangeiro e que mantém um permanente contacto com Portugal…» Jorge de Sena, Discurso da Guarda, 1977
/MCG

26.5.09

Na encosta do presente…

Escolher entre um projecto pessoal e um projecto messiânico pode ser tarefa árdua.

Se o messianismo acredita que pode salvar a humanidade, o unipessoalismo crê que tem nas mãos a chave do futuro.

Independentemente do vencedor, o rebanho continua pachorrentamente na encosta do presente, incapaz de seguir caminho sem a sombra do cajado…

 

(Do outro lado da encosta, o Dr. Oliveira e Costa ajusta contas com o Dr. Dias Loureiro. O Dr. Honório Novo, por sua vez, procura enterrar o Dr. Vítor Constâncio… e o rebanho bem pode continuar a ruminar!)

 

25.5.09

A estepe vence o planalto

O PLANALTO E A ESTEPE

Quando o leitor começara a pensar que ao General não restava outra conclusão de vida que conformar-se com a sentença de Camões "De amor não vi senão breves enganos", em Moscovo, eis que o Deus ex machina (Esmeralda) descobre a amada Sarangerel em Cuba….

Quando o leitor se deixara convencer que a revolução socialista (comunista) não passava de uma fraude gigantesca que destruía nações, quebrava corações, atirando-os para o fundo das masmorras da Mongólia e para o labirinto do Eduardo Santos, eis que Pepetela troca o abismo da ideologia totalitária pelo compromisso corrupto com os (novos) títeres que governam África – um romance que, pela sua dimensão simbólica, poderia ser exemplar, acaba por se tornar inverosímil.

Apesar de tudo, o romance é de agradável leitura, com algum suspense (ingrediente mais policial do que trágico). Caracteriza bem a vida dos estudantes africanos na capital do Império (Moscovo) e a sua passagem (formação ou apodrecimento) em Argel … Quanto à guerrilha, a imagem é oca e apressada, a remeter para outros romances (ortodoxos e heterodoxos) do Autor.

 

 

 

24.5.09

Distracções!

Quando menos se espera, o humor desponta. Por aqui há companheiros muito distraídos! Não acredito, no entanto, que o larápio venha a solicitar o manual de instruções. Nem Cristo tinha Biblioteca! E se o engano tiver sido das abelhas? O mel terá certamente outro sabor! Sabor a “biciclete”!

22.5.09

Bénard da Costa

No charco também há vida! Pouco interessa que a enxerguemos ou não.)

" Estou farto desta dor inútil de chorar por mim nos outros! - eu que nem sequer tenho a coragem de escrever os versos que me fazem doer!" José Gomes Ferreira

De Bénard da Costa talvez devesse escrever em tom elegíaco, mas como fazê-lo? De pé, entre a pantalha e as primeiras filas do auditório, Bénard antecipa o filme da morte: vários querubins conduzem-no pelo passeio da fama até ao círculo cintilante da ironia. Perdido o contexto, esfuma-se na mão suave do grande realizador. Por cá, as loas narcísicas cobrem-no de fumos…

(Este cansaço ameaça estilhaçar-me a compostura!)

19.5.09

Não vamos a lado nenhum…

Em 2008, com o objectivo de optimizar os recursos, o Ministério da Educação começou por reduzir a metade os centros de formação de docentes e não docentes. Promoveu candidaturas de centros e directores. Colocou a máquina em marcha…

No entanto, hoje verifica-se, por exemplo, que um centro de formação que acolhe 2 185 docentes, apresenta uma oferta de formação diminuta para o universo que cobre, excluindo à partida os funcionários administrativos. Por outro lado, essa oferta terá que ser cumprida até 31 de Dezembro de 2009.

(Se observarmos as acções propostas, rapidamente percebemos que o ensino da língua materna e da literatura portuguesa, no ensino secundário, é completamente esquecido: o ensino da gramática (da TLEBS) desapareceu; as metodologias são ignoradas…)

O quadro de formadores é reduzido e voluntarioso; o calendário das acções está condicionado pela distribuição de serviço para 2009-2010; muitos dos formandos não poderão frequentar as acções porque estas decorrem entre as 17:30 e as 22:30 horas, de 2ª a 6ª feira.

Em termos de avaliação do desempenho, os funcionários do M.E. estão, desde já, prejudicados: a maioria não poderá beneficiar da formação exigida para corresponder às novas exigências da globalização. E quanto a qualidade, nem vale a pena sonhar…

Não tendo o M.E. capacidade para implementar um plano de formação nacional, mais valia reconhecê-lo, dando autonomia aos directores das escolas para definirem e aplicarem o plano necessário a cada "unidade orgânica".

E claro, ao M.E. competiria a selecção dos directores capazes de interpretarem as necessidades de formação dos docentes e não docentes… num cenário de uma política educativa consensual e suprapartidária posta ao serviço da educação e da formação das novas gerações…

E pela amostra do que ou(vi), hoje, numa reunião de uma comissão pedagógica de um "novo" centro de formação da capital, não vamos a lado nenhum…

(A mim, nem já a ironia me salva! E ainda há quem afirme que 2009 é um ano decisivo para Portugal! Decisivo?)

17.5.09

Este domingo…

Este domingo fica marcado pela visita da Nossa Senhora de Fátima ao Cristo-Rei… A pretexto dos 50 anos do último. A mãe rica visita o filho pobre! Compreendo que esta o tenha feito. Apesar de tudo, as mães insistem em ajudar os filhos. O Cristo-Rei já devia um milhão de euros e parece que, de ontem para hoje, a dívida aumentou 200.000 euros, o que não consigo entender no momento em que a pobreza nacional voltou ao nível da de 1975.

Reconheço que Portugal não entrou na 2ª Guerra Mundial e que era preciso agradecer a alguém. No entanto, não é justo esquecer as guerras de ocupação, de pacificação e de oposição às grandes potências que se arrastaram até 1974. E não me parece que quer o Cristo-Rei quer Nossa Senhora de Fátima tenham feito alguma coisa para reduzir o sofrimento humano que inundou a Ásia, a Oceânia e a África.

Está na natureza da igreja católica abusar da fragilidade humana. E em Portugal, num ano de várias eleições, a igreja católica insiste em contribuir para a alienação das mentes, já de si fragilizadas pelas modernas técnicas de propaganda.

Com tanta (nova) oportunidade, não deixa de ser extraordinário que tantos se deixem seduzir por uma viagem à capital, por uma travessia do Tejo, por um folclórico encontro multirracial… feudo privilegiado da igreja católica.

Este domingo, de trabalho, também fica marcado pela dúvida se os hospitais privados, quando lá entramos, se preocupam verdadeiramente connosco… ou nos vêem apenas como objectos mais ou menos rendíveis…

E já, agora, acrescento que Pepetela com o romance O Planalto e a Estepe decidiu, finalmente, rever os mitos que alimentaram grande parte da sua obra, apesar de alguns assomos de heresia.

13.5.09

Charolas adiadas

(Conclave

Línguas de fogo Portas fechadas Canais que correm para dentro Cachos de palavras do avesso Charolas adiadas)

O melhor é dar graças ao Rei do Céu porque "se eu e os outros tão desamparados como eu ficamos sem a satisfação dos nossos serviços, foi somente por culpa dos canos e não da fonte…" Fernão Mendes Pinto, Peregrinação

12.5.09

A A8

No tempo da alta velocidade, a A8 está em obras… Se já era uma auto-estrada perigosa, agora, além de ser ainda mais perigosa, tornou-se um quebra-cabeças para os automobilistas mais pacientes…Na mesma A8, para quem queira dirigir-se à Ericeira, não há uma placa que assinale a existência da A21. Apenas lá chegaremos se adivinharmos que devemos sair no desvio para N8 (Malveira/Mafra) … Na 1ª curva, percebemos que estamos à entrada da portagem da nova auto-estrada. Será que voltámos à Idade Média?

E para quem precise de regressar da Ericeira a Lisboa (Campo Grande) fica aqui uma pequena curiosidade: a carreira das 18:18 horas só chega às 19:59… É obra! Já era assim na década de 70 do século passado…

10.5.09

Para quem quiser ir mais longe...

(Para o Alberto Afonso: a escrita há-de ser o que nela acontece!)
Tanta água, tanta terra! A ponte devolve-me à terra, o olhar descansa na torrente... o casario parece deserto e eu medito uma linha de árvores equidistantes...
Esta terra e esta água despertam em mim desesperos de courelas ressequidas. O Sol abrasava e a sombra faltava. A faina era penosa e suada, a fuga inevitável.
No início dos anos 60, o seminário abre a sombra, torna-se refrigério e escancara-me as fugazes Portas do Sol... E o Tejo, a espaços, alaga as margens e cerca a Ribeira, deixando-me cada vez mais céptico face à justiça divina. Atravessado o rio, o olhar fixou-se por instantes numa voluptuosa laranjeira, o que definitivamente me condenou a uma interminável indagação e a um inevitável cepticismo.
Cansado, conheço, por vezes, a inteligência das coisas e dos homens e nesses breves momentos mergulho na sombra e por ali fico a contemplar o mistério da água... e assim fujo da matreirice e da brejeirice que desertifica a alma humana...
E para quem quiser ir mais longe, peço que desista porque, como Bernardim Ribeiro, também eu quero crer que a escrita há-de ser o que nela acontece...

6.5.09

A máquina fotográfica…

A máquina fotográfica capta melhor a paisagem do que eu quando tento compreender o que pode estar a ocorrer na cabeça dos meus interlocutores. Oiço-lhes as palavras e, por instantes, fico suspenso, à procura de um sentido. Não sei a que plano devo dar mais atenção! 
Da cegonha desço à linha de água barrenta, passo sob o comboio, olho o sapal em frente atravessado por uma via rápida e apetece-me continuar, na direcção do horizonte, subindo lentamente a linha inclinada que depois do verde me pode conduzir à cinza. Entretanto, o tom de voz dos meus interlocutores cresce, talvez à espere que eu regresse às palavras iradas tão convenientes quando o leite azeda. Mas não! Mesmo que eu quisesse dizer-lhes o que penso, a máquina fotográfica não me deixa – agora mesmo me perguntou se a cegonha enviuvou ou se o comboio já chegou à estação ou se não seria preferível hospedar-me na casa da encosta e ficar por lá a olhar para cá… A perspectiva seria outra… e eu certamente deixaria de pensar no que estaria ocorrer na cabeça dos meus interlocutores…
/MCG

3.5.09

Estaremos nós à altura?

Estaremos nós à altura dos escritores que nos últimos 100 anos pisaram, como alunos ou professores, o chão do Liceu Camões / Escola Secundária de Camões?

Embora a pergunta me tenha sido colocada a propósito da divulgação da obra do Mário Dionísio (Encontro ao Fim da Tarde de 29 de Maio), devo responder que dificilmente o conseguiremos.

O alheamento e o mutismo dos professores não são de espantar. O ensino da literatura, de forma sistemática, parou em Fernando Pessoa, deixando a respectiva geração e as seguintes na sombra. Faltam-nos um António José Saraiva e um Óscar Lopes! O Eduardo Lourenço, apesar de arguto ensaísta, não dá conta do recado. E é estrangeirado!

Nos últimos anos, o Ministério da Educação ao abrir mão do Ensino Superior, passou, em teoria, a ocupar-se da Língua…, descurando o ensino da literatura. Os Ministérios da Educação e da Ciência … não compreendem a Literatura como uma importante mais-valia, para não falar da vertente identitária…

Por isso, os alunos não têm grande motivação para a literatura nacional. O sentimento de pertença não lhes diz nada. Os adjectivos "nacional", "europeia", "lusófona" não passam de ornamentos sem conteúdo.

Finalmente, o fosso entre o ensino dito superior e o secundário, em termos comunicacionais, é cada vez maior. Mesmo que os nossos convidados se esforcem muito, só os grandes comunicadores conseguem prender audiências tão deserdadas... Deste modo, os nossos objectivos estão sempre em risco!

Se pensarmos que o distinto Mário Dionísio, quando professor universitário se viu confinado a uma monótona cadeira de Técnicas de Expressão do Português, talvez encontre a resposta para o ocaso das Faculdades de Letras deste país... Estas Faculdades foram ocupadas por interesses bem distintos daqueles para que foram criadas.

A resposta que eu posso dar não é nada optimista, apesar de eu acreditar que se conseguirmos refundar a leitura literária acabaremos por trazer para o redil umas tantas ovelhas tresmalhadas...

Recordemos que homens como José Rodrigues Miguéis ou Jorge de Sena partiram para não voltar. Dificilmente, encontrariam emprego nas nossas Faculdades de Letras!

Apesar disso, há que insistir. Ser directivos... (pedagogicamente, reaccionários!)