9.1.09

No tempo dos fantasmas…

Não sei em que data Vergílio Ferreira escreveu o conto “O Fantasma”. E de certo modo queria acreditar que não precisava dessa informação para ter proveito e seguir o exemplo inscrito na estória.
No entanto, essa minha convicção desvaneceu-se perante a insólita interpretação que alguns jovens, nascidos depois de 1990, me propuseram: M tinha a mania da perseguição. De repente, M descobriu na sua frente um tipo (sujeito /gajo) – o fantasma -, que não tirava olhos de si, uma espécie de rémora da nau das índias!
Era-lhes difícil interrogarem-se sobre a causa e os efeitos daquela súbita loucura: na mesa em frente, um sujeito sinistro, sob a aba descaída do chapéu, perscrutava o mínimo movimento, encurralando-o… De pouco interessava, o acontecimento da véspera, e ainda menos a pergunta que lhe sobrara desse insólito encontro: – Até que ponto se teria comprometido? A vida de M mudara completamente. Agora, M apenas desejava que a porta giratória o cuspisse para a chuva que caía lá fora, e, num gesto derradeiro, M conseguiu-o, saindo do radar do fantasma.
Naquele dia M não apertou a mão ao fantasma, nem este esboçou qualquer gesto nesse sentido, talvez porque a magreza, o ar macilento e o olhar sinistro fossem suficientes para apavorar qualquer incauto…
Os jovens, nascidos depois de 1990, ignoram o tempo dos fantasmas, vá lá saber-se porquê… Poderíamos pensar que eles, desempregados, abandonaram o país. Um bom dicionário lembra todavia que:
fantasma s m+f (gr phántasma) 1 Visão quimérica, geralmente apavorante, produto da fantasia. 2 Coisa medonha. 3 Pessoa macilenta e magra. 4 Simulacro. 5 Suposta aparição de pessoa morta ou afastada, alma do outro mundo; espectro, espírito. 6 Pessoa fictícia, inventada para a utilização de seu nome em operações fraudulentas, recebimento de subornos ou propinas etc. 7 Eletr Em acústica, derivação de um sinal a partir de duas fontes, de forma que ele parece provir de uma terceira fonte. 8 Telev Falha no sinal de vídeo que exibe na tela uma segunda imagem, fraca, ao lado da imagem principal. 9 Inform Termo usado para designar os itens de um menu que são exibidos em cinza, mas não estão disponíveis para o uso.
Quanto a mim, houve tempo em que a fantasia me fez correr à frente de um diabrete que insistia em assombrar a minha solidão. E, também, houve o tempo que V.F. ficciona no conto: numa cidade de província, nos anos 60, com capote ou sem ele, em frente de um largo espelho do Café Central (ou Portugal!?), senti o olhar mortiço do fantasma, mas, mais do que os olhos, aquilo que verdadeiramente temia eram os ouvidos das paredes…
MCG

3 comentários:

  1. Nós, nascidos antes de 1990, nunca saberemos, verdadeiramente, o que é ter a sombra desses fantasmas. O que é não poder dizer uma palavra sem pensar em quem a estará a ouvir.

    Mas o que mais me marca é, se realmente Vergílio Ferreira se referia a essas 'sombras' do antes de 74, como conseguiu passar 'O Fantasma' por entre as mãos frias daquelas. De modo que, hoje, em aulas de Literatura Portuguesa, nós, jovens estudantes, nos interrogamos sobre quem seria, afinal.

    ResponderEliminar
  2. Na verdade não deviamos realmente ignorar o que se aconteceu antes da nós, porque de qualquer maneira isso influenciou a nossa vida .

    Professor , ainda vale a pena ser esforçado, haverá sempre um dia em que alguem reconhece que temos valor.

    Obrigada pelas aulas, ao inicio não compreendia a razão de serem tão diferentes .

    ac

    ResponderEliminar
  3. Nunca devemos agradecer aquilo a que temos direito!

    ResponderEliminar