14.10.07

Sem vergonha…

" Um ministério é um grupo casual de indivíduos, que intrigaram para estar ali." (…) O país "paga e reza."Eça de Queiroz, Maio de 1871

Em Torres Vedras, um grupo mais ou menos casual intriga para conquistar o poder. Em Fátima, a desavergonhada Igreja esbanja o suor do povo e ainda o acusa de grosseria. No Terreiro do Paço, um ministro das finanças corta nas pensões de reforma acima dos 600 euros, como se 700 ou 800 euros fossem suficientes para pagar a alimentação, os cuidados de saúde, os lares…

Quem anda por aí, vê, um pouco por toda parte, sinais de riqueza…. Riqueza cuja origem é desconhecida e, portanto, não tributada.

Será assim tão difícil enviar meia dúzia de polícias a cada marina, a cada imobiliária, a cada banco, a cada discoteca, a cada catedral? Se o fizessem, os agentes perderiam a vontade de passar pelas delegações sindicais ou deixariam de ficar parados em frente dos bancos, das ourivesarias…

(…)

Neste fim-de-semana, dormi mal. Despertei, várias vezes, a pensar no motivo que nos leva, ao olharmos para um monumento, a admirá-lo sem nos preocuparmos com a biografia do arquitecto, se andava triste ou alegre, se bebia ou era abstémio e, ao mesmo tempo, quando lemos um poema ou um romance, a só querer saber se o poeta ou o romancista foram infelizes na infância, pederastas, pobres, provincianos ou cosmopolitas. Que diferença há entre um poema e uma catedral? Entre um Poeta e um Arquitecto? Será uma questão de escala?

Parece-me que este desassossego não abona muito a meu favor. Sobretudo do meu fim-de-semana.

E ainda mais grave: gastei, também, uma boa parte da noite de sábado para domingo, a pensar no papel do conselho pedagógico na escola actual. E fiquei descoroçoado, sem saber qual é o campo de acção deste órgão. Acordei com a ideia que me compete pensar a organização escolar e a actividade docente tendo como único objecto o crescimento harmonioso de todo e qualquer ser que entre na escola, independentemente da fase de aprendizagem em que se encontre. A escola deve preparar o ser para que, no futuro, possa ser um arquitecto, um pedreiro, um poeta, um linguista, um físico, um cozinheiro, um matemático, um pintor… e não, um bêbado, um delinquente, um pederasta, um branco, um negro, um indiano, um fundamentalista…

À escola não interessam os intriguistas que procuram chegar aos ministérios!

1 comentário:

  1. De Fátima se chega a Torres Vedras, da igreja à política vai um salto, dos pequenos, e num estantinho se encalha num bcp de suspeitoso altruísmo, coisa para aí de uns escassos vinte e cinco milhões, ninharias de família. É esta a desavergonhada vida nossa, a que não nos podemos esquivar... Há quem já fale em aberardar a barraca na próxima assembleia-geral da idónea e promissora instituição bancária! Pelo meio disto tudo, que parece sério - quando já nada se leva a sério -, ficamos a saber que há coveiros que acumulam em serventias de mesa e com gestão de refeitórios camarários, e que enterrando os mortos enterram igualmente a unha nas contas de ninguém, suspeita, ao que se crê, e mais trabalhinho para o ministério público, folgado que anda e com défice de investigações.
    E a gente ri-se, só por falta de jeito para as lágrimas, e distraímo-nos com direcções de turma, pedagógicos, comemorações e vontades de boletins que poucos lerão, é quase certo, ainda havemos de apostar em ilocutórios actos compromissivos, em surdina, que só assim será possível desabafar, porque este é actualmente o nosso quase único ministério...
    Porém, hoje, se me custa adormecer, é porque me lembra o Adriano, em minha casa, na aldeia, já depois de Abril, jantando à mesa comigo, com a família chegada e com o Serginho (Mestre, para os amigos), antes de um serão de Trovas. Partiu faz neste dia 25 anos, e ainda o oiço, assim, como o vento que passa... E, por arrasto, vem-me à memória, dois anos depois, o corpo de Ary dos Santos, em manhã de chuva cinzenta, arrastado pelo Saldanha. E logo a seguir, três anos volvidos, à distância de vinte anos, deixa-se o Zeca (e)levar também...
    E isto, que parece pouco, é demasiado para o instante hipnagógico que nos antecipa o sono num piscar de olhos...

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