30.3.07

De Rafael Bordalo Pinheiro a Cesário Verde...


"Nada mudara. A mesma sentinela sonolenta rondava em torno à estátua triste de Camões. Os mesmos reposteiros vermelhos, com brasões eclesiásticos, pendiam nas portas das duas igrejas. O Hotel Alliance conserva o mesmo ar mudo e deserto. Um lindo sol dourava o lajedo; batedores de chapéu à faia, fustigavam as pilecas; três varinas, de canastra à cabeça, meneavam os quadris, fortes e ágeis na plena luz. A uma esquina, vadios em farrapos fumavam; e na esquina defronte, na Havanesa, fumavam também outros vadios, de sobrecasaca, politicando." Eça de Queirós, Os Maias

A surpresa de Bordalo, retratada no Lazareto de Lisboa (1880), é a mesma de Carlos da Maia (e de Eça) e ambas pressupõem o distanciamento da pátria. O retorno fugaz ou definitivo introduz uma idealização frustrada, apesar da sublimação do sol e das varinas de Cesário.
Hoje, sob a estátua triste de Camões desfila um sem número de automóveis à procura de um alvéolo insalubre e, à superfície, os mesmos vadios adormecem à sombra do vate, mergulhados em sal-azar. As sobrecasacas fugiram do Largo, preferem os gabinetes onde tecem as malhas que nos hão-de estrangular.
Entretanto, sob o Camões, as novíssimas raízes de aço e cimento suportam vaidosas sobrecasacas dúbias...

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