17.10.06

O paradigma tropical português...

A insatisfação parece ter chegado à Escola. Hoje, nos pátios, viam-se mais alunos. Outros talvez tenham ficado em casa. Mas alguns dos que encontrei e que, raramente, são visíveis fora da sala de aula... mantinham-se na escola na expectativa de que o professor surgisse. Aproveitavam para fazer os trabalhos de casa e preparar os próximos testes no CRE e na Biblioteca.
De manhã, os professores que leccionavam passavam furtivamente para as salas. Os dirigentes sindicais tornaram-se invisíveis ao contrário do que costumava suceder. O Conselho executivo parecia recolhido... O Conselho Pedagógico foi adiado a pretexto da greve, tal como acontecerá, amanhã, com o Conselho de Directores de Turma - o mesmo pretexto.
Um ou dois funcionários executavam tarefas de limpeza: varriam as folhas de Outono, despejavam folhas devolutas.
Ultimamente, comecei a perceber que esta Escola, aparentemente, desajustada, corresponde, afinal, ao paradigma tropical português: alguns funcionários, por astúcia dos restantes, vêem-se obrigados a executar todas as tarefas - do apoio (efectivo) no CRE e na Biblioteca à limpeza das casas de banho, dos corredores, das salas de aula e, mesmo, dos pátios... como se não fossem mais do que a típica criadagem do solar nortenho ou do sobrado brasileiro, mais tarde africanizado...
Para que a tropicalização seja completa, os próprios professores (ex-Senhores-de-si-próprios) decidiram que chegou o momento de se sacrificarem, de se cafrealizarem para que o país possa gerar 500 verdadeiros Senhores a quem todos possamos servir zelozamente.
Para quem tenha alguma dúvida, faça o favor de cotejar o investimento na educação e na ciência (Orçamento para 2007). Está lá escrito. Basta um pouco de cálculo: A ciência goza de um investimento senhorial sete vezes superior ao da escrava educação.
Mas está certíssimo! O que é que a educação nos poderia trazer de bom?
Dentro de 5 anos, 500 novos senhores dir-nos-ão o que mais nos convém... tal como aconteceu com os mestres de Chicago (e arredores) que nos vêm governando nos últimos 25 anos.
PS: Bem sei que não me deveria pronunciar sobre estes assuntos no meio desta histórica greve. Mas não resisti, depois de ter ouvido uma ministra falar dos bons serviços de um grupo de funcionários públicos que desinteressadamente estabelecem os "quadros de referência" que de 4 em 4 anos permitirão analisar 1200 unidades de ensino (de conta?); um secretário de estado que remata os destacamentos mais estranhos para o ministério do trabalho porque ele só corta ( e se houver algum destacamento foi porque alguma escola o solicitou!?) e, sobretudo, um dirigente sindical que teve a coragem de afirmar que há imensos candidatos ao lugar de coordenador curricular - estou a imaginar uma luta fratricida pela ocupação deste lugar que talvez dê assente no Conselho Pedagógico - órgão particularmente apreciado pelo ME e pelos Conselhos Executivos.
Afastada a ironia, talvez valesse a pena avaliar o trabalho gracioso levado a cabo, neste país, por milhares de conselhos pedagógicos nestes últimos 30 anos. Só que esse trabalho nunca poderá ser realizado por quem insiste em deitar fora a massa crítica que existe no país em todos os domínios.
Foi uma sensação de nulidade que senti, hoje, ao atravessar os corredores da Escola, embora essa sensação fosse contrariada por uma funcionária incapacitada de um braço e que, apesar de continuar a recolher as folhas de Outono(!?), me abriu a porta da sala 34, para mais tarde regressar e me perguntar se, afinal, o computador e a impressora já se articulavam pois gostava de aprender a resolver os problemas para poder ajudar os professores. E essa descrença na justiça foi novamente contrariada por um grupo de alunos que me pediu o "manual" e o "caderno de exercícios" para poder fazer os trabalhos de casa - contrariando objectivamente a política do ME...

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