15.8.06

A política dos interesses

Há alguns dias, interrogava-me, aqui, sobre as causas que vêm determinando que a literatura deixe de ser ensinada nas nossas escolas, secundado na palavra de Kafka para quem o conhecimento da literatura (e da sua história ) está intimamente relacionado com o fortalecimento da consciência nacional. Talvez o conceito «consciência nacional» mereça ser revisto, pois a sua legitimação (dos nacionalismos) teve ao longo do século xx elevados custos para as populações. No entanto, a maioria das conflitos, nos últimos tempos, tem tido como pretexto-máscara a exploração dos antagonismos religiosos e não da «consciência nacional».
Fica, porém, a ideia de que a nossa política externa é a dos interesses, como bem refere Carlos Pacheco (Público, 15/08/2006 - O calcanhar de Aquiles de Portugal em África), quando, citando políticos, banqueiros..., refere que «não há outros valores, foi sempre assim e não é agora que a corrente da história mudará.» E para melhor fundamentar o seu pensamento, Carlos Pacheco recorre às cartas do Padre António Vieira, escritas do Maranhão, em que este denuncia os crimes cometidos contra dois milhões de índios, num período de 40 anos, sem que ninguém tenha sido punido.
Ao cotejar este artigo de Carlos Pacheco com a notícia de que a ministra da cultura, Isabel Pires de Lima, quer mais promoção literária no mundo anglo-saxónico, voltei a aperceber-me que apenas os «interesses» norteiam o pensamento dos nossos dirigentes, pois, afinal, a principal crítica que a ministra faz ao IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas), é que este «tem descurado este mercado» (anglo-saxónico, diga-se)...
Tudo isto, num país, cuja Lei nº23/2006, de 23 de Junho, dá aos alunos do ensino primário, quando constituídos em associação de estudantes, o «direito a emitir pareceres aquando do processo de elaboração de legislação sobre o ensino, designadamente em relação aos seguintes domínios: a) definição, planeamento e financiamento do sistema educativo; b)gestão das escolas; c) acesso ao ensino superior; d) acção social escolar... (artigo 17º). Ver José Dias Urbano, Público, 15/8/2006, Novos disparates educativos, novos caminhos para o insucesso...
Compreende-se, deste modo, que o ensino da literatura (ler o Padre António Vieira das Cartas, por exemplo) já não é apenas uma questão de «consciência nacional», é, sim, uma questão de formação da consciência - o lugar dos valores, do livre arbítrio...
A alternativa já vigora: a política dos interesses. E os governantes sabem que a literatura é inimiga dos interesses... e que ela devia ser lida nas escolas, em todas as escolas...

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