11.6.06

A força do acontecimento...

Na minha infância não havia "Plano (projecto) nacional de leitura". A força do acontecimento foi de tal ordem que subitamente o jornal "O Século" entrou lá em casa no dia 4 de Junho de 1963(?) - morrera, no dia 3 de Junho, o santo papa: o papa João XXIII. Emprestado pelo logista da aldeia. Creio que, na primeira página, havia uma fotografia..., mas o que me ficou foi o formato daquele jornal. Mais tarde, já no Liceu de Tomar, à época secção do Liceu de Santarém, passei a comprar o jornal ( O Diário de Lisboa, o Diário Popular, A República, A Capital...), mas curiosamente nunca me senti atraído pelo formato de 'O Século'. Na escola primária, que me lembre, não entravam jornais. No Seminário de Santarém, lembro-me que os padres liam 'A Capital', cuja perigosidade política era reduzida, apesar dos 'fait-divers" poderem perturbar a alma. Havia, isso sim, muitos jornais de teor religioso que não me interessavam mínimamente. Nesse período de reclusão, a força do acontecimento não conseguia perfurar as muralhas que cercavam o antigo Colégio dos Jesuítas. Estavamos protegidos da torpe e imunda maré do mundo exterior!
Na minha infância também não havia Plano (projecto) nacional de escuta radiofónica. Havia a outra, entregue ao cabo da aldeia e, provavelmente, a um dos meus tios que era um polícia muito viajado... Só, em 1966, a rádio irrompeu pelos meus ouvidos... na taberna vizinha da mercearia, onde me deslocara para comprar um kilo de arroz. Subitamente, foi o delírio: a algazarra dos homens despertou-me para as ondas da rádio: José Torres acabara de marcar um golo, no Portugal - Rússia, aquele jovem que, ainda há pouco tempo, descalço,vendia peixe pelas ruas da aldeia. Era como se todos nós tivessemos vencido a Rússia, aquela por quem Nossa Senhora tinha vindo pedir a Fátima - «rezem pela salvação da Rússia», a vermelha, porque a branca fora esmagada pelos bolchevista, ou, então, emigrara, na terceira classe dos navios que José Rodrigues Miguéis tão bem havia de descrever...
Ali, naquela aldeia, os órgãos de comunicação eram postos ao serviço da comunidade como chamariz... Para que o aldeão pudesse comprar um transístor, era necessário que partisse, primeiro, para a França ou para a Alemanha... e, aí novamente sim, num sinal de riqueza, em casa, as ondas da rádio misteriosamente ocupavam todo o silêncio...
Hoje, parece que está em marcha um Plano (projecto) nacional de leitura, de escuta, de escrita... Creio, por isso, que, doravante, nenhuma outra criança poderá voltar a queixar-se de falta de informação, de discriminação...
Sobra-me, todavia, uma dúvida: Terá esse Plano (esse acontecimento) a mesma força que a morte do Santo Papa ou que o golo do José Torres?
Bem sei que não devo ter dúvidas, pois não passo de um «experto» em campo de «cientes»!

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