22.6.06

Em que século estamos nós?

Proposta de jogo: Explicite duas das funções das falas contidas neste excerto.
« D. Rita, avistando o préstito das liteiras, ajustou ao olho direito a sua grande luneta de oiro, e disse:
- Ó Meneses, aquilo que é?
- São os nossos amigos e parentes que vêm esperar-nos.
- Em que século estamos nós nesta montanha? - tornou a dama do paço.
- Em que século?! O século tanto é dezoito aqui como em Lisboa.
- Ah! Sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século doze...»
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição
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Colocam-se 50 correctores (?) numa sala. Ordena-se-lhes que leiam, comentem e resolvam uma prova, por exemplo, de Português. Prisioneiros da Acta, estão obrigados a registar os seus estados de alma. Concluída a praxe, poderão rumar à sala-ao-lado, onde receberão as provas a classificar. Há anos que esta cerimónia se repete!
Ninguém preside ao acto. Agrupamento? GAVE? Recolhidos ..., admitem contacto telefónico, mais tarde. Na sala, durante 15 minutos, uns lêem, outros relêem e alguns aproveitam para pôr a conversa em dia com o parceiro de ocasião - há um ano que não se viam! Tudo em lume brando. Entretanto, o tom ciciante torna-se conspirativo - há quem comece a dizer em alta voz o que pensa da prova 639...
Uma jovem correctora, assustada com aquele misto de pasmaceira e de conspiração, procura puxar as rédeas para que o bota-abaixo não tome conta da assembleia: há quem não entenda a formulação das perguntas; não se percebe se a prova foi auditada... e se o foi, quem terá sido o auditor? Há quem tenha deixado de entender o significado da palavra «percepção». Não há tempo para distinguir a percepção sensorial da percepção intelectual. Terá o autor da prova pensado nos modos como se percepciona? O que é que aconteceu à clareza que deve caracterizar a pergunta ou qualquer outra «instrução»?
Apressando a conclusão da acta, e como a maioria das «instruções» era ambígua, os correctores reivindicaram, ali, o direito de «aceitar» todas as respostas, fazendo tábua rasa do princípio da uniformidade de critérios. O país começava e acabava para os lados do Jardim da Estrela!
Já em 1975, no anfiteatro do Liceu Passos Manuel, uma outra assembleia de correctores reivindicara a «aceitação» de todas as respostas, numa rejeição democrática de qualquer pretensão de resposta única. O ensino centrava-se definitivamente no aluno; os professores passavam a ser uma fonte - secundária - do conhecimento; os alunos rivalizavam com os professores, pois todos partilhavam as mesmas fontes.
Hoje, esses alunos de 1975 tornaram-se numa fonte única, elaborando provas que nada testam... visando apenas satisfazer a vaidade dos oportunistas e dos preguiçosos...
Creio, no entanto, que esta geração de 75 tem os dias contados. Há cada vez mais jovens que procuram o conhecimento e que se sentem traídos, quando colegas, que ao longo de um ciclo de três anos nada fizeram, acabam por ter classificações idênticas ou mesmo superiores.
Esse sentimento de traição começa a separar as águas. É ver como «respondem» ao trabalho que lhes é proposto. Como o fazem com gosto! Como envolvem os amigos e os familiares na pesquisa a que se aventuram! Como se preocupam com a apresentação do trabalho e, sobretudo, com a qualidade!
Entretanto, há quem diga que a geração de 75, num último estertor, decidiu proibir os trabalhos de casa. Afinal, os "tpc" só servem para acentuar as desigualdades!
Será verdade?

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