19.6.06

A destruição do sentido... do trabalho...

Bastava ter lido o texto crítico «Memorial do Convento», em Os Sinais e os Sentidos, para não se cair no erro de banalizar o pensamento de Óscar Lopes. Como se a primeira metade do século XVIII fosse, de facto, extraordinária aos olhos de José Saramago ou de Óscar Lopes! O retrato do século XVIII traçado por Saramago é que poderá ser insólito, entre outros motivos, pela «emergência de caracteres populares individualizados no seio de uma grande movimentação multitudinária como que em busca de sentido próprio
A megalomania, a opulência, a hipocondria, a beatice, a libidinagem, o esclavagismo, a xenofobia surgem, no romance, como formas ordinárias, previsíveis do absolutismo grotesco que se abateu sobre o séc. XVIII português. Da procissão à tourada, passando pelos autos-de-fé e pelos lupanares conventuais.
Mesmo se não houvesse outro motivo, bastava a pergunta nº4 do I Grupo da Prova de Exame de Português (639) para concluir que o Ministério da Educação prestou um mau serviço aos alunos, a Saramago, a Óscar Lopes,... ao País.
Infelizmente, esta Prova de exame também presta um mau serviço à Língua Portuguesa porque a redacção dos enunciados é medíocre: I 1.; 2.1 - «Identifique duas das vozes aí presentes, exemplificando cada uma das vozes por si indicadas com duas transcrições do texto.»; 2.2.; 3.; III «apresente uma reflexão sobre a perspectiva referente à exploração do espaço, expressa no extracto do verbete..
E, sobretudo, esta Prova de exame não chega a testar 5% do Programa do 12º Ano. Que competências é que são efectivamente postas à prova?
Afinal, quem é que está interessado em valorizar o trabalho daqueles alunos que leram Pessoa, Camões, Saramago, Sttau Monteiro? E também dos que arduamente escreveram e reformularam múltiplos textos, obedecendo a técnicos e a métodos diferenciados? E de todos os que se empenharam em compreender e aplicar as regras do «funcionamento da língua»
Afinal, para que é que serviu a última revisão curricular?
E quanto à dedicação de muitos professores de Português, mais vale nada dizer!
É, contudo, pena que haja professores que se prestem a servir tão mal a Pátria que os viu nascer!

2 comentários:

  1. Quando aceita o desafio de enviar este texto para um jornal... para a minista... para os (as) autores(as) do "exame"...

    Quando virá o dia em que a Caruma deixa de ser apenas "tapete que se confunde com a crosta da terra" e passa e ser "rastilho pronto a tudo incendiar"?

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  2. O que aqui é escrito, em jeito de desabafo, sabêmo-lo todos. Porventura uns mais que outros, mas, de um modo geral, vivêmo-lo quotidianamente. Aguardava-se isto, talvez não tão baixo, tão medíocre (na redacção do enunciado, como no enunciado, no seu todo), mas pelo andar da carruagem e pela linha em que a dita vinha seguindo outro apeadeiro se não esperava... E este, infelizmente, é apenas mais um apeadeiro, um apeadeiro a mais que não fazia qualquer falta! E nós todos, "quais soldados em campo de batalha", fingimos, porque impotentes, que seremos sempre os últimos a tombar. E contudo vamos resistindo, a esta como a todas as Provas que nos impõem. Mas, ao contrário dos alunos, a nossa classificação tenderá a baixar, com má fama e nenhum proveito. Aguardemos a Fase seguinte, em prece, havendo fé!!

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