13.5.06

Para além da querela entre o ensino da língua e o ensino da literatura...

«Toda a experiência humana é susceptível de ser transfigurada, vivida num outro plano trans-humano.» Mircea Eliade, O Sagrado e o Profano, A Essência das Religiões
Se Mircea Eliade se visse confrontado com um grupo de jovens com um difuso conhecimento da essência da religião e como uma visão exacerbada (ou inibida) da sexualidade, como é que abordaria o modo como, por exemplo, José Saramago descreve o misticismo das múltiplas monjas que passaram (e passam) a vida enclausuradas num qualquer convento?
Tendo como axioma que as monjas o são (ou o foram) por imposição exterior à sua vontade, Saramago não se furta, ao descrever a esperada relação com o sagrado (no caso, Jesus Cristo), de as apresentar como protagonistas de uma sexualidade grotesca disfarçada de misticismo:
« atormentam-na diabos, sacudindo-lhe a cama, e lhe abalando os membros, os superiores em modo de lhe agitarem os seios, os inferiores tanto que freme e transpira a fenda que no corpo há, janela do inferno, se não porta do céu, esta por estar gozando, aquela porque gozou...» Memorial do Convento.
E este tema não é fortuito na obra, se lembrarmos a natureza dissoluta de D. João V, a presença cupidinosa e sádica do infante D. Francisco, o falso angelismo de D. Maria Ana, o profusamente repetido sado-masoquismo das procissões, das touradas e dos autos-de-fé. Tudo parece reduzir-se a uma sexualidade que, proibida pela Igreja inquisitorial, alastra das alcovas reais aos conventos, invade as ruas para confluir num mar de decadência irreversível.
Num país de trevas, sem futuro, há, porém, uma esperança abençoada por um iluminado e sonhador - O Padre Bartolomeu Lourenço: Blimunda (de Jesus!) e Baltasar (Mateus?) - «este casal, ilegítimo por sua própria vontade, não sacramentado na igreja, cuida pouco de regras e respeitos, e se a ele apeteceu, a ela apetecerá, e se ela quis, quererá ele Memorial do Convento
Compreende-se que o autor queira ajustar contas com padrões culturais que são objectivamente responsáveis pela humana predação, mas, no contexto actual, que efeitos poderá ter no jovem leitor a abordagem de uma obra como Memorial do Convento? E se os jovens seguirem o caminho da esperança pregado por José Saramago?
À primeira vista, Baltasar e Blimunda (sem esquecer o Padre Voador) parecem protagonistas de uma experiência humana transfigurada. Mas sê-lo-ão, de facto?
Terá algum dia, o ME reflectido sobre os textos que moldam a educação em Portugal? A resposta está para além da querela entre o ensino da língua e o ensino da literatura.

3 comentários:

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