24.5.06

Escrever é um registo maçónico...

Saramago coloca-se, com Memorial do Convento, na rampa iniciática do Grande Arquitecto maçónico, que com o esquadro e o compasso determina a estrutura e os limites do céu e da terra. No entanto, o seu convento não é o convento de D. João V, apesar de ‘João’ ser o nome próprio dos santos padroeiros da maçonaria (S. João Baptista e S. João Evangelista). Santos esses que Saramago poderia ter associado ao deus Jano Bifronte, que tinha a faculdade de ver o passado e o futuro. Porém, o projecto de Saramago era o oposto: mostrar a cegueira do rei ao mandar erigir o convento. O convento é fruto do sonho megalómano de um rei que gostaria de ser o Grande Arquitecto e de um vicioso sonho da província franciscana. D. João V continua, ainda hoje, a construir infantilmente o puzzle da Basílica de S. Pedro de Roma enquanto que os franciscanos jamais poderão dar uso às 300 celas que lhes foram destinadas! Para Saramago, a Basílica não se projecta para os céus. O que lhe interessa são as fundações – o que acontece na terra dos homens que, forçados, se vêem envolvidos num projecto em que não se revêem. Mas, na outra frente (janela) da obra, encontramos os "franc–maçons" que, de facto, se projectam para os limites do céu: Sebastiana Maria de Jesus, António José da Silva, Domenico Scarlatti, Blimunda (Sete-Luas), Baltasar Mateus (Sete-Sóis), o padre Bartolomeu Lourenço ( o arquitecto-voador). Em qualquer destas figuras, notamos, e de acordo com as suas competências, uma visão niveladora, um gesto criativo, uma vidência letal e regeneradora, um braço fautor de morte e de vida, um espírito torturado e inventivo. A ambição de Saramago é um construir um memorial em cuja pedra se materializem todas as incoerências dos grandes e todos os sonhos dos pequenos. Ele quer ser a voz dos esquecidos, dos perseguidos, dos desterrados, dos executados em todos os autos-de-fé. O Grande Arquitecto.

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